Mia Couto veio na Bienal, comprei o livro, peguei a senha mas infelizmente não pude pegar autógrafos. No entanto li o ótimo livro " Cada homem é uma raça" e hoje vim contar o que achei para vocês.
Essa vai ser uma daquelas resenhas meio desajeitadas, porque esse livro é composto de vários contos e como não virei fã de todos, não me lembro de detalhes de todos, mas vou tentar.
Mia Couto é um escritor moçambicano, que revela nesta obra, extrema sensibilidade e percepção do sofrimento humano, da discriminação e da cultura afro. Amiúde, vai revelando ao leitor um perfil do tio Geguê. O autor toca o leitor com insights como este: "História de um homem é sempre mal contada. Porque a pessoa é, em todo o tempo, ainda nascente. Ninguém segue uma única vida, todos se multiplicam em diversos e transmutáveis homens".
Editora: Companhia das Letras ISBN: 9788535922523
Ano: 2013 Páginas: 198
" Inquirido sobre sua raça, respondeu:
- A minha raça sou eu, João Passarinheiro.
Convidado a explicar-se, acrescentou:
- Minha raça sou eu mesmo. A pessoa é uma humanidade individual. Cada homem é uma raça, senhor polícia"
Os contos são:
A rosa caramela - Fala de uma menina bonita de rosto mas feia de corpo que estava noiva de Juca, porém uma coisa inesperada acontece e muda os planos.
" Acendemos paixões no rastilho do próprio coração. O que amamos é sempre chuva, entre o voo da nuvem e a prisão do charco. Afinal, somos caçadores que a si mesmo se azagaiam. No arremesso certeiro vai sempre um pouco de quem dispara".
O apocalipse privado do tio Geguê - Tio Geguê é um homem simples que cuida de sua sobrinha, ao entrar para o grupo de vigilância ele começa a mudar, não tira a farda do grupo nem por um minuto, nem para dormir.
" - Pai, ensina-me a existência.
- Não posso. Eu só conheço um conselho.
- E é qual?
- É o medo, meu filho. "
"História de um homem é sempre mal contada. Porque a pessoa é, em todo o tempo, ainda nascente. Ninguém segue uma única vida, todos se multiplicam em diversos transmutáveis homens. Agora quando desembrulho minhas lembranças eu aprendo meus muitos idiomas. Nem assim me entendo. Porque quando me descubro, eu mesmo anoiteço, fosse haver coisas visíveis em plena cegueira.
Pág: 29"
Rosalinda, a nenhuma - Rosalinda, uma senhora que perdeu o marido e passava maior parte do tempo conversando e discutindo com o falecido.
" É preciso que compreendam: nós não temos competência para arrumarmos os mortos no lugar do eterno. Os nossos defuntos desconhecem a sua condição definitiva: desobedientes, invadem-nos o quotidiano, imiscuem-se do território onde a vida deveria ditar sua exclusiva lei. A mais séria consequência desta promiscuidade é que a própria morte, assim desrespeitada pelos seus inquilinos, perde o fascínio da ausência total. A morte deixa de ser a mais incurável e absoluta diferença entre os seres"
O embondeiro que sonhava pássaros - A história de um vendedor que é preso após descobrir e ser recusado como tio de um menino branco, por ser negro.
" Pássaros: Todos os que no chão desconhecem morada."
A princesa Russa - A confissão de um homem sobre seu caso com uma princesa Russa.
" Bastou correr a fama que em Manica havia outro e anunciar-se que para o transportas se construiria uma linha férrea, para logo aparecerem libras, às dezenas de milhar, abrindo lojas, estabelecendo carreiras de navegação a vapor, montando serviços de transportes terrestres, ensaiando indústrias, vendendo aguardente, tentando explorar por mil formas não tanto o ouro, como os próprios exploradores de futuro de ouro [...]"
O pescador cego - A história de um pescador que em meio a uma pescaria se perde por causa de uma tempestade, sem comida ou outro recurso, ele se apega a fé.
"O barco de cada um está em seu próprio peito. "
"Vivemos longe de nós, em distante fingimento. Desaparecemo-os. Porque nos preferimos nessa escuridão interior? Talvez porque o escuro juntas as coisas, costura os fios do disperso. No aconchego da noite, o impossível ganha a suposição do visível. Nessa ilusão descansam os nossos fantasmas.
PG 97"
O ex-futuro padre e sua pré-viúva - " A vida é uma teia tecendo a aranha. Que o bicho que acredite caçador em casa legítima pouco importa. No inverso instante, ele se torna cativo em alheia armadilha. Confirma-se nesta estória sucedida em virtuais e miúdas paragens.
Mulher de Mim - " O homem é o machado, a mulher é a enxada"
A lenda da noiva e do forasteiro - "Eis o meu segredo : já eu morri. Nem essa é a minha tristeza. Me custa é haver só uns que me acreditam: os mortos"
Sidney Poitier na barbearia de Firipe Beruberu - " Império: em pé, rio a bandeiras despregadas"
Os mastros do Paralém - " Só um mundo novo nós queremos: o que tenha tudo de novo e nada de mundo"
As histórias são todas muito envolventes, dá pra tirar uma lição de cada uma e ainda por cima é cheio de frases e trechos tão lindos, quase poéticos. Eu me senti super bem lendo livro, senti uma certa magia.
A escrita de Mia Couto é fluida, fazia tempo que não lia um escritor, ainda vivo, escrever tão bem como ele. O livro faz várias referências as palavras do português, a cultura dos países do idioma, principalmente moçambique e a ditos e cantos populares dos mesmos.
Simplesmente incrível!
Recomendo, se quiser ótimos contos, mais maduros do verdadeiro português Mia é excelente. O fio das miçangas já está na minha lista.
Beijos!!! AMY XO
PS.: frases em verde são as que iniciam o capítulo.
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